Fiz de mim
liberdade, independência e audácia. Cheia de vontades e certezas, fui me
arriscando a cada passo que eu dava. Sempre foi um misto de conquista e
angústia, porém, saber que eu conseguiria seguir sem ter que voltar, me dava
mais força.
A força e a coragem
aumentavam de acordo com os obstáculos conquistados. Morar fora, a primeira
viagem dirigindo um carro sozinha, a primeira conta paga sem ter que pedir
dinheiro emprestado, o primeiro sono sem ter horas pra acordar ou satisfação
para dar do porquê ter dormido nua. Porém...
minhas conquistas sempre são burladas por mim mesma. Sim. Consigo sabotar meu
sucesso e minhas aventuras e glórias se resumem em depender.
No fim, sempre
acabo num quarto, em uma casa de outrem, tendo que viver a rotina do outro, as
vontades dos outros e as conquistas alheias. De tantas quedas e quartos mofados
alheios, comecei a entender que nunca fiz de mim liberdade e sim sonhadora.
A diferença da
mais nova queda, do mais novo fracasso, é que não posso fumar uma carteira de
cigarro inteira, ou encher a cara de um conhaque barato, ou simplesmente sair
caminhando sem destino e desaparecer por alguns dias. Pois é. Minhas escolhas
me fizeram mãe, esposa, funcionária pública e dependente de outrem.
Não digo
dependente financeiramente, mas dependente de não ter liberdade de dizer o que
quer, como quer. De não poder decidir por si só e simplesmente seguir. E isso,
isso foi tudo o que mais refutei na vida.
Hoje, num
fracasso mais recente, deitada numa cama que não é minha em um quarto que não é na minha casa, percebi que um laudo médico fez com que muitas pessoas tivessem o
“direito” de decidir por mim. Decidir até quando devo ou não ter liberdade de
novo ou, simplesmente, poder escolher o
piso que eu quero para meu banheiro.
Entre quartos
alheios com minhas coisas jogadas, noto que o outro se incomoda com minha
natureza e deseja, profundamente, que eu me adeque a ele... Em quartos alheios
com minhas coisas largadas, percebo que tenho que ser uma filha que aceita tudo
e grata por ter um lugar pra dormir, mesmo que o que me faça dormir em um lugar
que não é meu não seja minha culpa... Percebo aos poucos que a mulher que todos
desejam que eu seja não é nem um pouco parecida com o que eu construí pra mim.
Ontem, após
mentiras, cobranças e conselhos não pedidos, notei que não sou e nunca serei o
que um dia desejei ser. Liberta...
Ontem, após perceber que para sobreviver
aqui eu teria que morrer por dentro, morri...
Obrigada por me abrirem os olhos...